terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Entrevista: José Luis Sanfelice






                                                Fonte: Diálogo Informativo Online



Em continuidade ao debate sobre a educação no Brasil, o Espaço de Criação Literária Bertold Brecht entrevistou uma importante personalidade dessa  área do conhecimento.
Trata-se de José Luís Sanfelice, professor Titular da cátedra  de História da Educação na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP  (aposentado).  Sempre se dedicou ao estudo da filosofia da educação e  políticas educacionais.
Sanfelice, demonstrando absoluto  domínio do tema, discorreu por horas agradáveis sobre a atual pedagogia que se pratica no Brasil e seus desdobramentos face ao que denomina de  “ditadura do capital”.
O mestre e autor também comentou sobre seu livro “Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64”.

ECL- Nos férreos anos ditatoriais no Brasil, conte-nos como surgiu o interesse em estudar a Une na resistência ao golpe de 64?

JOSÉ LUIS SANFELICE- Eu estava cursando doutorado na PUC na década de 80 ainda vivendo os rescaldos da ditadura. Nesse processo fizemos um acordo onde foram divididos alguns temas da educação para serem estudados numa pesquisa acadêmica. Surgiu a proposta para que cada aluno indicasse uma temática adequada para futuras pesquisas. Escolhi o movimento estudantil numa indicação condicionada à vivência e práticas no mesmo.
À época participava de várias manifestações de ruas, tendências politicas, ideológicas que fizeram com que eu sentisse na própria pele  as consequências. Já no curso de graduação assisti a queda do congresso da UNE em Ibiúna afetando vários colegas que ficaram presos, acarretando assim, grande trauma, aquela situação foi extremamente constrangedora para mim. Nos anos 70 a repressão continuou intensa e a UNE teve que passar para a clandestinidade. Por nossa vez o maior desafio foi tentar fazê-la sobreviver. Meu grande interesse era observar sob perspectiva teórica o que este movimento de estudantes estava produzindo. Isso não tencionou de forma alguma  traduzir a consciência de todos à época, mas dava conta de explicar o que ocorria no Brasil. Busquei documentação, revisão bibliográfica  e então a tese foi convertida no livro: “Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64”.

ECL:  Há muitos modelos pedagógicos sendo discutidos hoje no país. Qual é a crítica maior em relação à pedagogia moderna aplicada no Brasil?

JOSÉ LUIS SANFELICE - Gosto muito de um livro da pesquisadora Lúcia Neves: A nova pedagogia da hegemonia, uma obra interessantíssima, coletânea de um grupo de pesquisa muito sólido do ponto de vista teórico. Nela fica clara a face do que se apresenta hoje no Brasil, ou seja, um modelo educacional predominante que advém de novos paradigmas filosóficos, isso significa o grande movimento cultural que chamamos genericamente pós- modernismo, que contesta o princípio da racionalidade. Para substituir a razão a busca do pós moderno caminhou para a subjetividade, relativismo da verdade e desembocou na auto ajuda. Essa grande movimentação tem implicações no modelo vigente. Dos anos 80 para cá a pedagogia tem uma origem institucional que vem das agências, Unesco, Banco Mundial e FMI. O próprio relatório Jacques Delors prescreve as diretrizes de um modelo educacional destacando entre outros fatores: os pilares do conhecimento  e as habilidades que cada estudante deve ter.
 O que ocorre no Brasil é a conformação e assimilação aos acordos internacionais. Há toda uma orquestração que produziu o que pode se chamar de “pedagogia da hegemonia”, ou seja, uma educação liberal numa versão neo para escamotear seu real sentido, com tendência a ser pouco diretiva. Assim, perdemos um arcabouço da produção cultural histórica que ninguém vislumbra mais. São dois fenômenos mundiais: a literatura de autoajuda e a igreja. Se pela primeira o ser humano não conseguir superar seus problemas o que lhe resta é apelar à segunda e suas  divindades. Essa perspectiva de mundo focada na educação finda no apostilamento que mesmo as escolas públicas compram do sistema privado. Ela representa uma estratégia da globalização para que a formação em países periféricos supra um determinado tipo de mão de obra que cabe à mesma no sistema mundial de produção.
Nesses moldes os ícones midiáticos da educação assumem como intelectuais a gestão desta. A eles restam somente os interesses de caráter econômico. Nesse contexto ela também passa a ser entendida como mercadoria seguindo a lógica do capital. Esses esquemas implicam no uso de novas tecnologias, padronização de textos, material didático num desdobramento econômico imenso com esta conotação de mercado. Gradativamente os bancos irão estimular a privatização da educação como é o caso do estado de São Paulo com a maior privatização desta área no país. Esta é a grande tônica deste processo ao qual denunciamos e tentamos resistir.

ECL- Diante das várias ideologias políticas que se apresentam no país. O que é a esquerda no Brasil hoje?

JOSÉ LUIS SANFELICE - Não temos esquerda hoje, literalmente seria toda manifestação de caráter revolucionário que se opusesse ao sistema capitalista. Como já não temos essa radicalidade nos chamados partidos de esquerda, temos no máximo uma manifestação social democrática ou 3ª via.Os governos hoje independentemente do partido cuidam minimamente das questões sociais, ou seja, azeitam a máquina para a sociedade capitalista não entrar em falência. Suas ações políticas são focadas na administração da desgraça.
Num país como o Brasil, por exemplo, nunca tivemos estado de bem estar social diferente dos países de primeiro mundo. Hoje perdemos muito.
A perspectiva histórica depois das “previsões” de Fukuyama alicerçava-se na seguinte hipótese: capitalismo ou a barbárie, sendo que a segunda encontra-se já totalmente inserida no primeiro.
 Temos a sensação hoje que a resistência aos desmandos deste sistema existe em grupos minoritários no país.

ECL- Como se articula ideologicamente o movimento estudantil no Brasil hoje?

JOSÉ LUIS SANFELICE- O país tem um movimento estudantil regido pela UNE com um quadro semelhante ao passado com tendências que encontram-se configuradas como estão. No meu livro não temos a presença do PT, pois não existia. Hoje existe uma diversidade, mas, já há algum tempo que é uma tendência só que administra o movimento estudantil como base de apoio ao PT, ou seja,  a instituição submete-se à orientação do Partido dos Trabalhadores.Essa proximidade com o estado não constrói resistências. Conheço outro movimento interessante, o: UJC (União de Jovens Comunistas) que militam paralelamente.Outro dado preocupante é que  muitos estudantes nunca chegarão perto de nenhum movimento como estes.

ECL-Em abril o supremo aprovou as cotas raciais. Qual é o seu posicionamento sobre elas?

JOSÉ LUIS SANFELICE- Um forte fortalecimento do ensino fundamental e médio levaria a um resultado mais interessante na questão da cota. O ensino fundamental está quase universalizado no Brasil , na questão de oferta e acesso inicial. Outro ponto é que a cota é um procedimento de política focada, ou seja, outro governo pode entrar e acabar com o mesmo. A mídia também espetaculariza um pouco certas questões.
Enfim, torna-se difícil discutir isso com quem está utilizando o sistema.





Abaixo elencamos os livros que marcaram a vida do professor Sanfelice:



































A nossa dica de Leitura :


Editora: Alínea

Abraços,
Juliana Gobbe


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